Com a queda no crescimento em todo o mundo, o combate à inflação parece estar saindo de moda. Atualmente, um sem número de políticos, empresários e até mesmo alguns economistas na Ásia e na América Latina são contrários a que os bancos centrais elejam um baixo nível de inflação como seu objetivo primordial. Eles analisam as ações do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) na década de 1990 e argumentam que todo banco central deveria se concentrar em estimular o crescimento. Mas considerar o crescimento como algo distinto de controle inflacionário evidencia uma confusão básica, pois uma inflação baixa estimula a estabilidade no setor financeiro, e a combinação dos dois promove o crescimento.
Inflação baixa ajuda a manter a estabilidade financeira, por facilitar a estimação do valor dos investimentos. Quando a inflação é alta, é mais difícil distinguir, de um lado, a variação no preço de um mercadoria em relação a outra e, de outro, a variação no valor do dinheiro. Todos investimentos parecem bons, pelo menos durante algum tempo. À medida que o valor monetário deles aumenta, fica difícil perceber quais estão mantendo seu valor real ou, preferivelmente, aumentando de valor. Portanto, quando a inflação é alta (e quando é alta, ela é, geralmente, também variável, o que piora as coisas) as instituições financeiras têm dificuldades para avaliar seus investimentos, cometem mais erros e, em vista disso, têm maior probabilidade de insucessos. Por isso, inflação baixa contribui para a estabilidade financeira.
A inflação baixa estimula o crescimento de três maneiras:
1) Quando a inflação passa a ser alta, cresce a impopularidade do governo junto à opinião pública se o país é uma democracia, e da elite rica no poder em países não democráticos. Em ambos os casos, os governantes tentam deter a inflação promovendo um aperto monetário, provocando pelo menos um desaquecimento econômico e, possivelmente, uma recessão. Essa perspectiva se constitui em obstáculo ao investimentos, o que compromete o crescimento;
2) A inflação gera confusão em torno do significado das variações nos preços. A mudança de preço de uma mercadoria em relação a outras, uma alteração de preços relativos, é o que afeta a alocação de recursos. Se o preço de uma mercadoria sobe em relação ao de uma mercadoria substituta, então os consumidores provavelmente comprarão a alternativa mais barata, ao passo que os produtores incrementarão a produção da mercadoria cujo preço aumentou. Os consumidores gastam suas rendas de modo a maximizar seu bem-estar, ao passo que os produtores buscam aumentar a eficiência com que empregam seus recursos. Essas ações conjuntas melhoram a economia e o bem-estar das pessoas que vivem e trabalham nelas;
3) Inflação baixa estimula a estabilidade financeira. A estabilidade financeira, por sua vez, estimula o crescimento. Se as instituições financeiras ficam vulneráveis ou perdem sua vitalidade, elas não funcionam bem na transmissão de capital de poupadores para investidores. Com isso, não se concretizam muitos investimentos em projetos perfeitamente viáveis e o crescimento deixa de acontecer.
Assim, inflação baixa - em um patamar próximo de estabilidade do poder de compra do dinheiro - incentiva o crescimento.
Então, por que não atribuir aos bancos centrais uma responsabilidade não apenas por manter a inflação baixa como também por estimular diretamente o crescimento? A resposta é: os bancos centrais nada podem fazer diretamente a esse respeito. A política monetária pode ter efeitos sobre a demanda - é assim que ela pode afetar a inflação - mas não pode estimular inovações, espírito empreendedor ou qualquer outra coisa que afete a taxa de crescimento de longo-prazo. De fato, as tentativas de assim fazê-lo são contraproducentes, pois elas envolvem um alívio monetário por parte do banco central. Isso gera inflação e, portanto, provoca os problemas colaterais às dores da recessão que vêm à tona quando a inflação precisa ser contida.
Assim, o banco central deveria se concentrar no controle da inflação. Ele deveria também ser explicitamente responsável pela estabilidade do setor financeiro. A palavra "explicitamente" é importante. O banco central não apenas deveria estabelecer o ambiente de baixa inflação que estimula a estabilidade financeira, ele deveria estar preparado para injetar liqüidez nos mercados caso ocorra um brusco surto na demanda por liqüidez que ameace a estabilidade de diversas instituições financeiras. Ele deveria estar preparado para agir como emprestador de última instância. Além de manter a estabilidade dos preços, o banco central nada mais pode fazer para promover seja a estabilidade financeira ou o crescimento econômico.
O melhor para assegurar estabilidade monetária e financeira é um comportamento prudente por parte dos bancos centrais, inclusive a pronta intervenção como emprestador de última instância tão logo necessário. Os bancos centrais nada mais podem fazer para estimular o crescimento econômico. Na realidade, apenas isso já é muito.
Wood, Geoffrey E. “Controle de inflação e crescimento”. São Paulo, Valor Econômico, 18 de setembro de 2001. Jel: E, F
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O Banco Central e as metas de inflação
Luiz Carlos Mendonça de Barros
As três questões centrais que devem ser tratadas na definição de uma política econômica que pretenda enfrentar os desafios mais importantes da sociedade brasileira de hoje são: o crescimento, a estabilidade de preços e a distribuição de renda. É um desafio gigantesco porque envolve não só aspectos teóricos como também dificuldades de natureza política e sociais que serão enfrentados no dia-a-dia do próximo governo. A forma como as prioridades entre essas questões serão estabelecidas divide os vários projetos que estão sendo propostos à sociedade no debate eleitoral em curso.
Na alternativa mais à direita, que representa o núcleo do que hoje é conhecido como malanismo, o objetivo central será a estabilidade de preços a um nível muito semelhante ao que existe no Primeiro Mundo. A meta de inflação de 3,5% estabelecida para 2002 é um bom exemplo desse projeto. No entender desse grupo, alcançado o controle estável da inflação a níveis semelhantes aos do mundo desenvolvido, o crescimento e a distribuição de renda virão naturalmente via mecanismos de mercado.
Na proposta mais à esquerda, defendida pelo PT, a prioridade clara é a distribuição de renda e o crescimento da economia. O controle da inflação fica em posição secundária, seguindo a idéia majoritária no partido de que a ocorrência de alguma inflação não causa problema nenhum. Isso está transparente nas declarações de seu candidato Lula sobre suas prioridades na eventualidade de uma vitória. Não tenho dúvida de que seu dia-a-dia como presidente vai produzir derrotas constantes para o grupo de economistas que tem defendido a estabilidade dos preços.
Na alternativa conhecida como desenvolvimentista, o objetivo primeiro da ação do governo é a busca do chamado desenvolvimento sustentado. Só assim os frutos do crescimento mudarão de forma importante os indicadores sociais do país. A questão do controle da inflação é vista como uma condição necessária para que o objetivo principal seja atingido. Sem estabilidade de preços não é possível um crescimento contínuo por um prazo longo de tempo. Nesse sentido defende-se um compromisso formal do Estado para que a inflação não ultrapasse uma taxa anual constante, medida não em termos do ano gregoriano, mas a partir de uma média móvel de 12 meses por um período bastante longo.
O fundamental é a estabilidade do nível da inflação ao redor de 5% ao ano. Encaramos o controle da inflação como uma maratona, e não um "sprint" de cem metros a cada ano. Essa posição vem do entendimento de que nossa economia apresenta ainda fragilidades institucionais muito fortes para participar de uma competição anual contra as economias mais desenvolvidas. Uma posição semelhante à adotada com sucesso pelo México, depois de jogar no olho da rua seus jovens economistas com PhD nas principais universidades americanas em 1996.
Outro ponto de diferenciação entre os desenvolvimentistas e o malanismo é metodologia de medida da inflação a ser usada como referência na ação da política monetária do Banco Central. Essa divergência deriva de questões teóricas quanto aos mecanismos de ação entre a taxa de juros e os preços. Nossa posição está em linha com o que pensa hoje o Federal Reserve, ficando o malanismo com a chamada escola alemã desse holandês maluco que dirige hoje o BCE, o Banco Central Europeu. Não vou incomodar o leitor da Folha com uma das coisas mais complexas que existem no campo da teoria econômica moderna, que é o chamado mecanismo de transmissão da política monetária à dinâmica de preços. Mas vou mostrar, por meio de dois exemplos pontuais, a natureza dessas divergências.
As tarifas de energia elétrica no Brasil são corrigidas pela variação do dólar, no caso da energia comprada de Itaipu, e pelo IGP-M, no restante dos custos do sistema. Os valores cobrados dos consumidores não oscilam com o mercado, mas em relação aos preços formados fora do setor de energia. Além disso, o fornecimento de energia elétrica no Brasil é um monopólio natural e, portanto, não sujeito à concorrência.
Em momentos de normalidade essas distorções têm pouca importância. Mas, quando há um choque externo de preços, como o que estamos vivendo agora, os reflexos desse sistema precisam ser expurgados dos índices de inflação que orientam a ação do BC. Caso contrário, teremos uma "escolha de Sofia" entre jogarmos fora crescimento econômico legitimo ou passarmos a impressão de falta de empenho no combate à inflação. O BC em 2001 conseguiu as duas coisas.
Esse mesmo mecanismo deve ser adotado no caso de produtos agrícolas como o feijão, que não tem mecanismos de mercado, inclusive importações, de correção de preços no curto prazo. Combinam-se excesso e escassez de oferta com muita frequência. Os preços podem subir 70% em um ano e ter uma queda da mesma dimensão no outro. Como a estabilidade do índice de inflação é importante, esses casos precisam estar fora do cálculo.
O debate sobre essa e outras questões econômicas tem recentemente fugido do campo da ética e do bom senso. Alguns malanistas, acostumados a enfrentar a fragilidade teórica dos partidos de oposição, diante de argumentos sólidos contra suas posições, têm mostrado um nervosismo e uma falta de caráter inaceitáveis. Nos últimos dias duas colunistas importantes da imprensa brasileira serviram como porta-vozes desses revoltados que, escondidos covardemente no anonimato e distorcendo os fatos, procuraram desqualificar profissionalmente meu irmão José Roberto e as minhas idéias sobre metas de inflação. O próprio presidente do BC, Armínio Fraga, perdeu a compostura ao acusar a política industrial como o principal fator pela distribuição de renda perversa que temos no Brasil hoje. Realmente uma pérola! Entendo que o mundo tem sido nos últimos meses adverso a eles, mas, por respeito à opinião pública, sugiro que o debate volte a um nível mais elevado.
Barros, Luiz Carlos Mendonça de. “O Banco Central e as metas de inflação”. São Paulo: Folha de São Paulo, 16 de novembro de 2001. Jel: E, G